Wednesday, April 30, 2008

III Ciranda: a pertinência da bibliografia na elaboração de questões em concursos

Durante esse mês na lista de discussão Jornalistas da Web, Marcelo Sander enviou algumas questões sobre jornalismo digital que estão sendo aplicadas em concursos públicos no Brasil. Várias pessoas tentaram responder e não chegaram a um acordo. Então, imagine o candidato na tensão do momento da prova. A discussão deu margem para que o tema desta III Ciranda de Textos fosse “WebJornalismo e Concurso Público”.

A seguinte questão do Concurso da Assembléia Legislativa de Minas Gerais fez com que entrasse na discussão:

Questão 44 . A crescente participação dos usuários tem sido indicada como uma das características marcantes na expansão e desenvolvimento da web, com repercussões também no universo da comunicação institucional. Todas as seguintes afirmativas indicam práticas colaborativas características da chamada "web 2.0" na comunicação institucional de uma casa legislativa, EXCETO:
a) a página web disponibiliza ferramentas que permitem ao público enviar para os editores comentários sobre os conteúdos publicados.
b) a página web dispõe de canais para compartilhamento e publicação de conteúdos propostos pelos cidadãos acerca do trabalho da instituição.
c) o noticiário no site institucional inclui conteúdos gerados por usuários e fóruns abertos para proposição de matérias.
d) o site da TV legislativa permite que os usuários escolham, avaliem, proponham e disponibilizem produções acerca do trabalho legislativo.

Ao ponderar sobre sua resposta, pensei que tal delimitação estaria sendo esclarecida na bibliografia indicada em um concurso. Quando se efetua a inscrição, geralmente a relação de títulos que o candidato necessita estudar para responder com propriedade é fornecida. Ao perguntar quais seriam os livros do concurso em questão, para Sander, descobri que nem sempre é assim.

Os livros foram: Jornalismo digital, de Pollyana Ferrari, Modelos de jornalismo digital, organizado pelos professores Elias Machado e Marcos Palacios, com artigos dos pesquisadores do GJOL, e Redacción periodística en internet, de Ramón Salaverría. Conheço os livros, participo de um deles. Mas pelo que recordo nenhum apresenta um conceito de web 2.0 que dê margem a compreender-se a questão da forma que estaria sendo considerada correta, ou seja, a exceção seria a resposta A.

O argumento discutido na lista e certamente pelos elaboradores da questão foi de que ferramentas que permitem ao público enviar para editores comentários sobre os conteúdos publicados não é web 2.0, é nada mais do que o "Fale Conosco". Não haveria aqui publicação de conteúdo. Inclusive foi lembrado com pertinência que a interação entre leitor e jornalistas existe desde que jornalismo é jornalismo. Fato destacado por Elias Machado em sua tese, quando apresenta o Publick Occurences, primero jornal editado nos Estados Unidos, em 1690. O jornal deixava uma de suas quatro páginas em branco para o leitor escrever suas opiniões, assim os leitores após ele, saberiam o que pensava a respeito do jornal e das informações divulgadas. A dinâmica era outra, mas a noção de participação do público a mesma que discutimos hoje com a potencialização das tecnologias.

Voltando à questão: para respondê-la é importante tentar definir o que estamos fazendo em termos de jornalismo, de rotinas, dinâmicas no ciberespaço. O próprio jornalismo colaborativo, que seria um termo mais restritivo se tivesse sido usado, deixaria margens para a compreensão de rotinas, imagine um abrangente como web 2.0.

No ciberespaço e no ciberjornalismo rotinas e sistema de produção estão em vias de consolidação, exatamente, a meu ver, pelo uso das tecnologias de publicação de conteúdo. Web 2.0 se caracterizaria, de acordo como vem sendo compreendida, como a produção e "disponibilização" de conteúdos no ciberespaço. Com ou sem a intervenção do jornalista. Agora, onde está a definição de web 2.0 que um candidato não possa compreender que uma da ações da interação, o retorno dos comentários, não constitui parte do processo de produção da informação na web 2.0?

Além disso, está escrito: "a página web disponibiliza ferramentas que permitem ao público enviar para os editores comentários sobre os conteúdos publicados." Se é a página web que permite, por que ele não poderia compreender que este comentário estaria inserido na web, na matéria, e - portanto - publicado? O que constitui uma prática de web 2.0, não? Não há bom senso em concurso.

Minha sugestão foi para que os candidatos solicitassem recurso para anular a questão. Porém, a problemática é mais abrangente, relaciona-se à pertinência de conceitos, de terminologias, daquilo que o professor Nilson Lage falava no Encontro Nacional de Professores de Jornalismo deste ano: conceitos vagos de nada servem.

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